sábado, 26 de março de 2011

O exemplo japonês

Para Platão e Aristóteles, “os homens começam a filosofar por causa da admiração: no princípio, os primeiros filósofos, conhecidos como Filósofos da Natureza, ficavam maravilhados diante das belezas naturais e perturbados diante das dificuldades mais simples; em seguida, progredindo pouco a pouco, chegaram a se colocar problemas sempre maiores, como os problemas dos astros e, depois, os problemas relativos à origem de todo o universo”.

O vocábulo admiração tem vários sentidos; tanto pode significar encantamento, sentimento ou atitude de respeito, de apreciação, quanto espanto diante de algo que não se imagina ou espera.

Hoje, estamos admirados, no sentido de espanto, diante de uma dificuldade sem igual: um maremoto de proporções inimagináveis arrasou parte do Japão, matando milhares de pessoas, deixando outros milhares de desaparecidos e centenas de milhares de desabrigados, além do grande risco que o país corre de uma gravíssima contaminação do ar, da água e de alimentos.

PERTURBADO E ADMIRADO.

Qualquer ser humano sensível, propenso a participar das dores alheias, tem estado perturbado e admirado com tamanha catástrofe. É um momento primordial para filosofar sobre a nossa existência e sobre a Natureza, essa força descomunal que nos nutre, mas que também destrói.

Comecemos a filosofar pela admiração que tal tragédia nos causou: o espanto diante desse acontecimento sem igual. O que podemos fazer? Acredito que devamos fortalecer nosso espírito para enfrentarmos as frustrações e as decepções que se nos apresentam no dia a dia. Tal fortalecimento conseguimos, além de por meio da religiosidade, também mediante a análise do comportamento exemplar para que, pelo exemplo, aprendamos a viver melhor.

COMPORTAMENTO EXEMPLAR

E um comportamento exemplar é o que os japoneses demonstraram para nós, brasileiros e cia. Aqui, por nossas plagas, por nossos lugares, quando há uma tragédia, como os deslizamentos de terra nos morros fluminenses, ou de outra região brasileira, ou quando ocorre uma enchente trágica ou uma tempestade fulminante, ou ainda um vendaval destruidor, não é raro – aliás, chega a ser comum – alguns de nossos conterrâneos serem pegos desviando mantimentos, roupas e água, que deveriam ser encaminhados às vítimas, ou saqueando lojas, mercearias e supermercados. Até um soldado, que lá estava com o dever de distribuir as doações entre os necessitados, foi flagrado, em Santa Catarina, roubando um sapato. Lá, no Japão, segundo as reportagens apresentadas na televisão, nenhum saque, nenhum roubo...

Que diferenças há entre nós e eles? O caráter dos japoneses é mais lapidado que o do cidadão ocidental, em especial os da América Latina? A tradição milenar japonesa é a responsável pelo comedimento que se apresenta em seu comportamento? A colonização de exploração implacável realizada por portugueses e espanhóis aqui em nossas terras forjou um caráter de ‘piratas’, um caráter de pilhagem, no qual o que interessa é apoderar-se de bens e de riquezas, não importando a quem eles pertençam?

LEVAR VANTAGEM.

Logo após a Copa do Mundo de futebol de 1970, um dos maiores jogadores daquela vitoriosa seleção foi pivô de uma grande polêmica, que até hoje ecoa: Gérson participou de uma propaganda de cigarro, na qual ele aparecia fumando e dizendo uma frase mais ou menos assim: “Para quem gosta de levar vantagem”. Naquela época, ninguém percebeu o quanto essa frase nos identificava como a nação do jeitinho brasileiro. Isso, para os cidadãos daquele tempo, parecia ser um charme a mais, que os outros – europeus, americanos, asiáticos e africanos – não tinham.

Na realidade, porém, escancara uma falha de caráter gigantesca que predomina por aqui: o brasileiro quer levar vantagem em tudo o que faz. A humildade anda longe de nossos lares – sem querer generalizar, pois sei que em sua casa, leitor, como na minha, há o exemplo da humildade, mas, de um modo geral, o que constatamos é que o substantivo que comanda o vocabulário por aqui é “vantagem”, e não “humildade”.

Temos de aprender com os japoneses a respeitar o que é alheio – novamente não quero generalizar; não quero afirmar que no Japão não haja roubos nem falcatruas; isso existe em qualquer lugar do mundo. Mas temos de reter em nossa mente aquelas imagens dos flagelados nipônicos respeitosamente enfrentando filas para tentar obter alimento e água. Temos de ensinar os jovens a se condoerem dos que sofrem e a agirem de forma ética e civilizada. Temos de suscitar uma nova característica de nosso jeitinho: dar um jeitinho de ajudar os outros que necessitam de coisas e de afeto, sem esperar outra recompensa que não seja a alegria da consciência de estar cumprindo um dever.

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