Carlos Drummond de Andrade, em 1930, retratou um uso de inadequação já corrente no Português brasileiro daquela época: o verbo "ter" no sentido de "existir": "tinha uma pedra no meio do caminho".
A ele isso era permitido em virtude da licença poética, uma espécie de autorização aos poetas e compositores de usar inadequações ao idioma padrão.
Aquele que intenciona utilizar a língua em sua plenitude deve, porém, evitar tal uso, embora já se tenha tornado praticamente um padrão brasileiro. Todos os dias ouvimos frases como "teve pessoas que...", "tiveram jogadores que...".
O verbo "ter" significa, basicamente, "possuir" com algumas variantes. Jamais "existir".
Um verbo sinônimo de "existir" é "haver", que, diferentemente de "existir", que tem sujeito e com ele concorda, é impessoal e fica na terceira pessoa do singular.
Veja alguns exemplos:
- O Brasil tem inúmeras praias maravilhosas.
Nessa frase o sentido é o de "possuir": O Brasil possui praias.
- No Brasil há inúmeras praias maravilhosas.
Nessa frase o sentido é o de "existir", por isso "haver" fica no singular: No Brasil existem praias.
Um estudante curioso pode perguntar-se por que passou a ocorrer essa inadequação. Donde surgiu esse uso inusitado? O motivo disso é o seguinte:
Existe uma possibilidade de os verbos "ter" e "haver" serem 'sinônimos': quando forem verbos auxiliares de locução verbal que forma tempo verbal composto. O verbo principal sempre estará no particípio - forma terminada em "-ado" ou "-ido" ou outras terminações irregulares, como em "escrito, posto, vindo":
- Ele tinha se salvado.
- Ele havia se salvado.
Ambas as frases têm o mesmo sentido e adequação gramatical. O cidadão incauto, então, acreditando que "ter" e "haver" são sinônimos, usa-os como tal em todos os sentidos. Não o são, porém.
Usei, no terceiro parágrafo a locução "... já se tenha tornado...". Poderia ter usado "... já se haja tornado...".
Resumindo: "Ter" e "haver" só são sinônimos quando à frente surgir um verbo no particípio:
- Ele morreu por ter caído do andaime.
- Ele morreu por haver caído do andaime.
Em nenhum outro sentido "ter" e "haver" são sinônimos. "Ter" significa "possuir"; "haver" significa "existir" ou "acontecer", portanto Carlos Drummond usou a forma popular. Se ele tivesse querido escrever de acordo com o padrão culto da Língua, deveria haver escrito assim:
- Havia uma pedra no meio do caminho.
E as frases que ouvimos todos os dias deveriam ser assim escritas:
... houve pessoas que...
... houve jogadores que...
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