Fonte: Orfeu Spam 14 – Jornal eletrônico de poesias e artes –
Editor: Jairo Luna - http://www.jayrus.art.br/index14.html
"O maior risco da vida/e mais
perigoso, é amar". Estas foram as declarações mais lúcidas e importantes
do discurso do protagonista desta peça vicentina, o Velho, que tinha uma horta,
mas de nada lhe valeram os bens, como a seguir vamos verificar.
A farsa "O Velho da
Horta", representada para D. Manuel, em 1512, conta a história de um velho
que se apaixona por uma rapariga e "por via de uma alcoviteira gastou toda
a sua fazenda".
Gil Vicente, profundo conhecedor da
alma humana, crítico irreverente e mordaz, dá vida "aos homens que se
enamoram fora da idade porque não souberam aproveitar-se do amor quando eram
jovens, ou porque pretendem enganar a morte quando já a trazem às costas"
(Alfonso Castelão).
O eterno drama destes velhos
constitui, portanto, o tema desta farsa de Mestre Gil. A farsa conta-nos que,
"andando um velho, dono de uma horta, a espairecer por ela - sendo o seu
hortelão fora - veio uma moça, de muito bom parecer, buscar hortaliça, e o velho
dela se enamorou".
Aos seus protestos de amor, a moça
responde: "Já perto sois de morrer / donde nasce esta sandice, / que,
quanto mais na velhice, / amais os velhos viver?". A jovem afasta-se com
as couves e cheiros que buscava e, como paga, o Velho pede-lhe apenas uma rosa
"por são/colhidas de vossa mão".
Interrompido nos seus arroubos por
um Parvo, seu criado, que traz um recado da mulher do Velho de que "a
panela já está cozida", este afirma que não quer comer e manda o criado
trazer a sua viola para cantar os seus amores. A esposa, que chega, apercebe-se
dos devaneios do marido e adverte-o: "Que peçonha / Havei má hora,
vergonha / a cabo de sessenta anos, / que sedes já carantonha".
Mas o pobre enamorado é espicaçado
pelas intrigas, invocações de amores e esconjuros da hábil alcoviteira Branca
Gil. Esta promete-lhe êxito nos amores com uma condição (que não é pequena):
"Mas para isto andar direito, / eu já,senhor meu, não posso / vencer uma
moça tal / sem gastardes bem do vosso".
Depois de lhe ter extorquido bastantes
cruzados, Branca Gil é presa "da parte de El-Rei", por um alcaide e
quatro beleguins, para ser açoitada por alcoviteira. O Velho fica sem a fazenda
e sem a Moça (que, entretanto, estava "na rua para ir casar"), e
lamenta-se: "Se os jóvenes amores / os mais tem fins desastradas, / que
farão as cãs lançadas / no conto dos amadores!".
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