domingo, 7 de março de 2010

Estudar Literatura

Muitos me perguntam o porquê de ler romances, e alguns alunos me perguntam o porquê de estudar Literatura. Apesar de serem perguntas distintas, carregam uma semelhança extraordinária, pois, quando se lê um bom romance, realizando-se a leitura crítica, indiretamente se estuda Literatura, já que os estudos literários nada mais são do que a leitura atenta de obras importantes. Uma das melhores definições para “Estudar Literatura” encontrei no livro “Literatura Brasileira”, de William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães, publicado pela Atual Editora em 1995: “Estudar Literatura é aprimorar nossa capacidade de ler, refletir, pensar, mas é também sentir, emocionar-se, apurar a sensibilidade, sonhar”.

Há algum tempo, um aluno me disse, revoltado, que não mais iria ler romance algum, pois ele havia lido os dez livros que foram temas do exame vestibular da UEL daquele ano e não havia acertado resposta alguma, e um amigo seu, que somente havia lido os resumos, acertou todas. A diferença entre a leitura realizada por ambos é que o jovem que leu os resumos estudou-os de fato, com a intenção de reter na memória as informações lá contidas, refletiu sobre o conteúdo dos resumos, pensou, enfim; e o que leu os romances, leu-os como se lesse um gibi, sem atenção, sem a preocupação de apreender coisa alguma. Leu para dormir, como dizem por aí. A leitura, para ele, nada representou. Em nenhum momento, talvez, tivesse ele pensado sobre as histórias, provavelmente nada tivesse refletido sobre os ensinamentos éticos, filosóficos, contidos nos romances. Leu-os simplesmente.

LEITURA OBRIGATÓRIA

O problema da leitura que nós, professores, impingimos a nossos alunos - e também as faculdades e universidades que aplicam os exames vestibulares - é que a escolha dos livros não é realizada pelos jovens, por isso a maioria deles não os lê com o mesmo afinco como leem os livros que contam a história de Harry Potter ou os que compõem a série Crepúsculo. A diferença é que, quando começamos a ler um livro e dele não gostamos, deixamo-lo de lado e buscamos outro que nos agrade. Já a leitura obrigatória da escola não dá essa oportunidade aos jovens: gostem ou não dos livros, eles têm de os ler. É tarefa; é trabalho.

A solução, então, estaria na leitura livre na escola? Cada aluno lê o livro que lhe interessa? Talvez sim; talvez seja essa a solução, mas, pensando melhor, talvez não seja essa a solução. Confuso, não? Reflitamos sobre isso, então:

Se o jovem tiver a liberdade de ler o livro que quiser, muito provavelmente escolherá aqueles que possivelmente lhe trarão deleite. Lerá, então, somente à procura de sensações prazerosas para alimentar a sua sensibilidade. Procurará o ‘sonho’. Lerá à busca de imagens, como se assistisse a um filme. A história é que lhe interessará. Deixará de lado as leituras ‘pesadas’, os livros espessos. Não lerá os clássicos da literatura mundial ou nacional. Não lerá Machado de Assis nem José de Alencar, não lerá poemas barrocos, árcades, parnasianos nem simbolistas. Não conhecerá o Surrealismo, o Dadaísmo, o Futurismo nem o Manifesto da Poesia Pau-Brasil. E é exatamente aí que está o problema, pois passará a ser um cidadão de pouca cultura.

REFLEXÃO ÉTICO-FILOSÓFICA

Além da cultura escassa, o outro problema se situa na falta de reflexão ético-filosófica que caracteriza o cidadão que não lê os clássicos. Os autores dos clássicos da literatura mundial eram pessoas com uma capacidade de reflexão magnífica, por isso conseguiam entremear em seus romances a história em si e conflitos psicológicos de suas personagens. Quem os lê criticamente, não somente se emociona com a beleza da história, não somente alimenta sua imaginação com a fantasia contida nos romances, mas, principalmente, aprende a pensar sobre a vida, sobre os relacionamentos, sobre o mundo.

Ler os clássicos é mais que ‘ler um livro’. O segredo está em encarar as personagens e as histórias vividas por elas como ensinamentos para a nossa própria vida, analisando o que elas fazem de positivo ou de negativo e tomando isso como exemplo a ser seguido ou a ser descartado. Ler os clássicos, então, é aprender a viver melhor. Por isso não se deve desconsiderar a leitura dos grandes nomes da Literatura mundial. Por isso não se deve somente ler os livros ‘gostosos de ler’. Deve-se ler para aprimorar a capacidade de se transformar num cidadão analítico e crítico e para aprender a ter pensamentos de mais qualidade. Leiamos, portanto, os clássicos e orientemos os jovens para que também os leiam!

2 comentários:

CESAR CRUZ disse...

Professor, em relação a questão de leitura, gostaria de opinar, se me permite, e com todo o respeito:
Creio que a pessoa deve ler o que lhe apetece. Isso é válido, em especial, para os jovens que estão dando os seus primeiros passos no mundo da literatura. Forçar em demasia um jovem que está engatinhando por este universo a ler Dostoiévski, Paulo Freire ou Machado de Assis, é como forçá-lo a apreciar culinárias exóticas e sofisticadas, antes que ele tenha o paladar preparado para isso.

Acredito que a leitura deve ser prazer e não obrigação. E como prazer, deve ser exercida voluntariamente; no máximo estimulada. Podemos convidar alguém a ler, mas não forçá-lo, como ocorre nas escolas. Talvez esteja aí um dos problemas: a obrigatoriedade de ler pode estar afastando os jovens dos livros. Meu pai foi forçado a comer peixe quando era menino. Peixe é bom para a saúde, menino, dizia a minha avó. Forçou-o, guela abaixo, literalmente. Resultado: quando pôde escolher, meu pai nunca mais comeu um único pedaço de peixe.

O prazer pela leitura é despertado quando deixamos o paladar se aprimorar com naturalidade. Deixemos o jovem ler o que bem entender! Qualquer lixo vale! Dessa forma ele ganhará prazer pela leitura e, lá adiante, naturalmente, vai buscar por coisas melhores, que preencham a sua psique já mais exigente. A seleção será natural, como o é na natureza. É assim também na vida da gente...

Acontece com a comida, com os vinhos, com nossos gostos musicais, etc.

Aconteceu comigo. Lá na adolescência li coisas que o colégio me obrigou a ler. Achei um verdadeiro saco, com o perdão da palavra. Li por obrigação e, salvo exceções, detestei todos aqueles livros. Mas eu tive muita sorte, pois meu pai era um leitor contumaz e, por sugestão sua (Oh, sábio seu Aloisio!), garrei pra ler uns deliciosos e intrigantes livros da Agatha Christie. Lembro-me de “O caso dos dez negrinhos” e “O assassinato de Roger Acroid”. Tenho-os até hoje em casa. Li também muito Paulo Coelho... Hoje não aprecio mais o Paulo Coelho, mas me serviu. Que bom! Devo sinceros agradecimentos a ele, o Paulo Coelho.

Assim se iniciava o meu gosto pela leitura. Depois, é claro, naturalmente, e por vontade própria, li coisas de melhor qualidade: Machado, Eça, Graciliano, Camus, Borges, Nietzche, Kafka, etc. Hoje, já maduro, acho-me inclinado a ler coisas que não me interessavam antes. E aquelas leituras que já me animaram, hoje não fazem mais a minha cabeça...

Acho que no futuro acontecerão novos ciclos como este em meu mundinho literário. A vida é ciclo, e nós estamos sempre em transformação, não é?

Um forte abraço
Cesar Cruz
S.Paulo, Capital

Lari Sigulo disse...

Oi Prof. Dílson,
quanto tempo que não venho aqui ler os seus pensamentos, mas quando venho sempre fico feliz por ter vindo.
Concordo com você, porque no meu caso, eu adoro ler por diversão os livros do Harry Potter ou Crepúsculo, mas eu me divirto lendo Machado de Assis e José de Alencar também.
Uma coisa puxou a outra, na verdade. Ler é um exercício, assim como a corrida. Começa com uma caminhada leve para poder virar maratonista um dia. Eu nunca poderia gostar dos clássicos sem antes me acostumar com as leituras mais leves.
Eu sou uma grande defensora dos clássicos e não poderia deixar de ser, sou uma estudantes do curso de Letras agora. E você teve uma grande influência na minha escolha, assim como todos os meus professores de Português.
Até mais, Prof. Dílson.
Larissa Sigulo