quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

A Pátria em calções e chuteiras


O cidadão inglês tradicional, que acompanha os passeios da Rainha da Inglaterra pela televisão, da mesma maneira que o cubano assistia aos discursos intermináveis de Fidel Castro, aprecia o turfe. Os britânicos têm até um cortejo de carruagens, do qual a Rainha participa, para dar início a um torneio de turfe. Aprecia também o futebol, tanto que as mais violentas torcidas do mundo são inglesas (Ué? Mas eles não apreciam o futebol?).

O estadunidense aprecia beisebol, basquete, vôlei, dentre outros. Aprecia também, mas com menos paixão, o futebol. Tanto que é um dos pouquíssimos esportes em que eles ainda não chegaram ao pódio mundial. Ainda não... O futebol só começou de verdade para eles quando Pelé jogou no New York Cosmos, por volta de 1976, 77. Estão chegando lá: já participaram de cinco copas depois disso. Serão campeões algum dia? Só o futuro nos dirá.

PAIXÃO PELO FUTEBOL

O cidadão brasileiro aprecia que tipo de esporte? Qual lota as arquibancadas? Que desporto é transmitido pela televisão quatro vezes por semana? É só mesmo o futebol! Até que se apreciam alguns outros esportes coletivos, como o basquete e o vôlei, mas a paixão que o futebol provoca no brasileiro é digna de tese de pós-doutorado. Principalmente neste ano de 2009, em que quatro times chegaram à última rodada do Campeonato Brasileiro com chances de se sagrar campeão: Flamengo, Internacional, Palmeiras e São Paulo. O Flamengo foi o vencedor, e o Palmeiras ficou em quinto.

É interessante essa paixão. Movimenta boa parte das conversas cotidianas dos homens brasileiros de todos os níveis socioeconômicos. O Presidente da República usa metáforas futebolísticas para decifrar seus pensamentos à população e quase transforma o país numa nação corintiana; Barrichello veste a camisa do seu time do coração, o mesmo do Presidente, antes de algumas corridas para dar sorte. Todos os grandes times têm torcedores pelo país todo. Há até a disputa para se saber qual a maior torcida do Brasil. Antes diziam ser a do Corinthians; hoje dizem ser a do Flamengo.

HERÓIS OU MERCENÁRIOS INCOMPETENTES

É interessante essa paixão que faz um país parar para assistir a uma partida de sua seleção principal. Em época de Copa do Mundo, então, tornamo-nos exímios técnicos de futebol, ora elogiando o oficial, ora pedindo sua saída. Se o escrete consegue a taça, os jogadores se transformam em heróis da nação; senão, viram mercenários covardes e incompetentes.

Um dos pontos mais interessantes dessa paixão é a fidelidade que temos ao time do nosso coração. Já se ouviu falar de homens que trocaram de esposas, de emprego, de amigos, de cidade, de país; até de sexo alguns trocaram, mas nunca se ouviu falar de um cidadão que tenha trocado de time! Conhece algum ex-palmeirense, que se tornou corintiano? Algum recifense que torcia pelo Náutico e passou a torcer pelo Sport? Gremista que virou colorado? Mengo que virou pó de arroz? Impossível!

FIEL ATÉ O ÚLTIMO SUSPIRO

O time, a gente o escolhe de pequeno e se mantém fiel a ele até o último suspiro. Pode até acontecer de o nosso time se dar mal em determinado campeonato e, somente naquele torneio, passarmos a torcer para que outro time se torne o campeão. É o caso, por exemplo, de torcedores do glorioso Santos Futebol Clube, bicampeão brasileiro e mundial e várias vezes campeão paulista, passarem a desejar em 2009 que o Flamengo seja o campeão para que seus rivais paulistas, Palmeiras e São Paulo, não o sejam. Não é uma troca, pois de time não se troca; é uma compensação ver os rivais mais próximos derrotados por um distante.

É. O Brasil é o país do futebol. É o país com o maior número de torcedores do mundo. É o país que mais exporta jogadores para a Europa; e agora também jogadoras. É o país cujos habitantes se sentem jogadores e técnicos ao mesmo tempo. É o país cujos habitantes se transformam em torcedores quando a Seleção enfrenta os inimigos (em futebol não há adversários; há inimigos) e convertem, como Nelson Rodrigues escreveu, “a pátria em calções e chuteiras dando rútilas botinadas em todas as direções”.

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