sexta-feira, 6 de outubro de 2006

Existência



O velho cão gania à porta da pequena casa.
A lua, espreitando por entre os galhos das árvores,
assemelha-se a lanterna etérea, reverberando-se
por entre a densa neblina.

A passos lentos e pesados reviso minha airosa existência
e sinto que não existo; são os outros que me percebem
como querem que eu seja.

Dói-me o corpo; não posso abaixar-me: escoliose, cifose.

Sinto saudades das andanças por ruas quase desertas,
voluptuosas ruas de minha adolescência,
nas úmbrias madrugadas, com muitas cervejas e amigos.

Não que a tristeza tenha pousado em minha sina;
é só saudade mesmo.
Há muito do meu passado que quero apenas no passado.

Moldei-me; já não sou o mesmo de outrora – estranho se o fosse.
Não tenho tempo mais para frases soltas.
O silêncio habita meu mundo, mas não há o vazio,
não há a solidão ou os sentimentos entorpecidos,
o que há é uma obstinada sensação de veleidade.

As fantasias contorcem-se na essência da memória,
frêmitos lancinantes misturam-se com desejos obcecados,
distendendo meu corpo numa lassidão sublime,

e eu fico sem saber o que o velho cão,
ganindo à porta da pequena casa,
tem de interessante para entrar nessa história.

2 comentários:

Anônimo disse...

"Moldei-me; já não sou o mesmo de outrora – estranho se o fosse..."

Estranhos se fóssemos!

Ainda bem né professor? Isso é evoluir

Abçs,

Andréia . disse...

"Não que a tristeza ...."
Esta parte é perfeita, como o todo, mas se encaixou a mim.Amei.
Suas palavras sempre me encantam.
Lindo dia.
Beijos.